Deus Todo Poderoso, que nos criou à Vossa imagem e nos indicou o caminho do bem, do verdadeiro e do belo, especialmente na pessoa divina de Vosso Filho Unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, permiti-nos que, pela intercessão de Santo Isidoro, bispo e doutor, durante nossas navegações pela Internet, dirijamos nossas mãos e nossos olhos apenas àquelas coisas que Vos sejam aprazíveis e que tratemos com caridade e paciência todas aquelas almas que encontrarmos pelo caminho. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

sábado, 21 de dezembro de 2024

O Não-Trabalho e o Futuro do Trabalho

E disse em seguida ao homem: Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido de comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor de teu rosto, até que voltes à terra de que fostes tirado, porque és pó, e pó te hás de tornar. (Gn 3, 17-19
 
Especular sobre o futuro do trabalho desde as periferias do terceiro mundo é fazê-lo de uma perspectiva não muito favorável, não é aqui que se constrói o futuro, antes o contrário, o país está cada vez mais assustado e hostil às novas tecnologias, tentando inutilmente desacelerar a corrida tecnológica. Contudo, se o cyberpunk se define desde o paradgima high tech/low life, talvez tenhamos certas vantagens competitivas em relação ao primeiro mundo, poucas nações estão tão despreparadas para as mudanças do porvir quanto a nossa.

Em Piratas de Dados de Bruce Sterling, atua em Singapura o Movimento Anti-Trabalhista. Com a acelerada mecanização, cada vez mais os antigos postos de trabalho foram tomados pelas máquinas. Os sindicatos passaram a reagir, incialmente, com a tradicional retórica ludista: "-Há de proteger os postos de trabalho, guerra ás máquinas!"; contudo, uma vez perdida a guerra, eles se transmutaram em seu exato oposto. Se as máquinas podem por si mesmo sustentar a economia, por que deveria o homem trabalhar? Assim se criou um movimento de vagabundos, defendendo o "direito" ao ócio. Ócio este obviamente custeado por outrem...

Hoje ainda não existe algo como um movimento anti-trabalhista, mas o desejo de libertar-se do trabalho, ou ao menos do trabalho tradicional, está presente na cultura global. Há, desde a edificação do estado de bem estar social, uma crescente massa de indivíduos recebendo esmola governamental, vivendo de benefícios sociais, em nosso país essa massa é cada vez mais numerosa. Se recebe dinheiro por não ter dinheiro, se recebe dinheiro por ter filhos, se recebe dinheiro por.... estudar. Tudo custeado pelo contribuinte, o trabalhador sustentando aquele que não trabalha através de um perverso mecanismo político.
"O Brasil tem 220 milhões de habitantes. 100 milhões recebem benefícios, 50 milhões são idosos ou jovens e os outros 50 milhões que trabalham para sustentar a base. A conta não fecha." (1)
Mas, não são apenas os pobres que almejam viver sem trabalho, também os ricos. O sistema financeiro apresenta toda uma complexidade lovecraftiana, prometendo aos investidores formas de maximizar seu patrimônio sem ter de por a mão na massa. Desde estratégias de investimentos de longo prazo a mecanismos especulativos de curto prazo como o day trade, até a tecnologia nascente das criptomoedas. E para aqueles que desejem um jogo mais bem desenhado, temos ascensão dos bets, cassinos virtuais e mercados de apostas pocketizados, tudo na tela do celular.

Existe ainda outra opção, ainda que não seja uma promessa de não trabalho, ao menos libertaria o individuo da figura do capataz, daquele infeliz que o submeteria a uma estrutura de submissão, de metas e horários fixos. A gigaeconomia ofereceria ao indivíduo maior flexibilidade, ele poderia fazer seu próprio horário, teria maior autonomia. Nessa economia de bicos por aplicativo, qualquer um poderia obter uma renda extra com Uber, como entregador do iFood ou alugar seu quarto no Airbnb. Acontece que, aqui no terceiro mundo, a gigaeconomia devorou a economia oficial. O Uber deixou de ser um bico para tornar-se uma profissão, levando a um fenômeno de precarização. Basicamente o sujeito perde um emprego formal com certas garantias legais e passa a prover o sustento de sua família através desses aplicativos, sujeito a uma série de incertezas e sem amparo algum. Ao fim, muitos passam a sentir nostalgia pelas cebolas do Egito...

Sem mencionar a economia de influência, onde IP's se digladiam na internet em busca de audiência. Como palhaços de circo, vale tudo para atrair a atenção, e tentar convertê-la em fonte de renda.

Como pretérito sonho da geração passada de se obter fortuna como cantor sertanejo ou jogador de futebol, essas novas formas econômicas oferecem de fato oportunidades incríveis e algumas vezes cumprem suas promessas. Quanta gente não ficou rico com criptomoedas ou acertou a mão vendendo cursos no Instagram? E aí está uma grande fonte de revolta por parte dos guardiões do status quo. Havia toda uma complexa engenharia social construída para recompensar aqueles que eram leais ao sistema e punir os dissidentes, havia um level desining planejado para dar a vitória a certos atores, como o jogo entre Alice e a Rainha de Copas. Bom, as pessoas não querem mais jogar este jogo, antes estão tentando outras formas de diversão...

O trabalho fora o castigo imposto por Deus ao homem. Adão pecou, você pecou, eu também pequei, então a vida não é só assistir anime, andar de bike e jogar videogame. Ao fim e ao cabo, temos de trabalhar. Mas é como se não pudéssemos negociar um contrato mais vantajoso. Sim, em última instância o trabalho é um contrato, vendemos nosso tempo em troca de certa remuneração financeira... O objetivo deste ensaio não é manifestar um juízo moralista inútil, mas tão somente demarcar certos elementos do cenário. E de certo modo, convidar o leitor a testar e explorar tais elementos.

Talvez eu volte ao assunto em textos futuros.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

O início da via purgativa - Pe. Roberth Hugh Benson

Al principio, como hemos dicho, el alma disfruta extraordinariamente con lo meramente externo, que considera santificado por la presencia de Cristo. Por ejemplo, la organización humana de la Iglesia, sus métodos, las funciones litúrgicas, la música y el arte religiosos, todo tiene para ella un sentido celestial y divino.

Con extraordinaria frecuencia, la primera señal de que ha empezado a recorrer la vía purgativa consiste en la sensación que experimenta el alma de lo que el mundo llama desilusión. Y esta sensación tiene causas muy distintas.

Por ejemplo, el alma se encuentra frente a unos hechos desconcertantes un sacerdote indigno, una congregación desunida, escándalos en la vida cristiana, etc., justamente en los ámbitos en los que Jesucristo debería ser el modelo supremo. Pensaba que la Iglesia era perfecta por ser la Iglesia de Cristo, o el sacerdocio inmaculado por pertenecer al orden de Melquisedec… Y para su decepción, se encuentra con la vertiente humana indefectiblemente asociada a las cosas divinas en la tierra.

La novedad empieza a disiparse, y ahora el alma siente que las cosas que creía más directamente relacionadas con su nuevo amigo son ajenas, temporales y transitorias en sí mismas. Su amor por Cristo era tan grande como para hacer brillar todas aquellas cosas externas que ambos compartían; ahora, ese brillo empieza a apagarse y las ve mucho más terrenales. Y cuanto más intenso fue su amor imaginativo, más intensa es su decepción actual.

Esta es, pues, la primera etapa de la vía purgativa; el alma siente desilusión ante las cosas humanas y considera que los cristianos deberían ser —y después de todo no son— otros Cristos.

El primer peligro se presenta inmediatamente: no hay procedimiento de limpieza que no implique cierto poder destructor. Y si el alma es un poco superficial, perderá la amistad con Cristo (la que tenía) además de las atenciones y regalos con los que Ella obsequiaba y complacía. En el mundo hay almas débiles que fallan en esta prueba, que confunden un enamoramiento humano con el Amor esencial, y en cuanto Cristo se despoja de sus adornos, se separan de El. Pero si son almas más firmes, habrán aprendido la primera lección: que la divinidad no radica en las cosas materiales y que el amor de Cristo es algo mucho más profundo que los mismos regalos que El hace a sus nuevos amigos.

- BENSON, Robert H. La amistad de Cristo; p.12.

sábado, 2 de novembro de 2024

Em defesa dessa fofinha


Tudo que o Vaticano fez foi encomendar um desenho e apresentá-lo numa conferência de imprensa. A internet cuidou de todo o resto: centenas de fanarts belas e criativas, memes e mais memes, criaram criptomoedas, animações, agora esculturas de impressora 3D (já providenciei a minha). Tudo de forma completamente descentralizada, não há diretório central, plano de burocratas, não há dinheiro globalista impulsionando campanhas de marketing, tão somente o entusiasmo e a espontaneidade das pessoas. Ainda que se possa especular intenções não muito ortodoxas por parte de algum clérigo ou do artista responsável, fato é que a personagem foi acolhida pela bolha otakucatólica e já saiu do controle de seus criadores, está junto das cibemilícias templárias numa cruzada cibernética contra o mundo moderno.

A capacidade de lidar de forma saudável com a cultura popular foi um dos diferenciais do catolicismo frente a chatice dos protestantes (há até mesmo um episódio dos Simpsons sobre isso kekekek), sobretudo na América Latina. Se no passado a cultura popular estava nos arraiais e sertões, nas festas juninas e na folia de reis, hoje ela foi digitalizada. A personagem Luce - bem como o rosário missionário que a acompanha – são, pois, excelentes ferramentas para a evangelização do Continente Nuvem e também para pensar a igreja pós-ocidental.

Talvez eu esteja indo rápido demais, irei retornar aos temas acima mencionados respondendo as principais objeções contra a personagem.

I. Infantilização da Fé

Argumentam alguns que apresentar a personagem em desenho animado em estilo de anime seria uma forma de infantilizar a fé e que isso seria condenável. Me perdoem a ironia mas: dançar fantasiado de caipira em volta de uma fogueira no meio de um monte de balãozinho colorido é muito adulto, né? Olha cobra!!! É mentira!!! Tanto menos adulto e sério o é usar roupas floridas e mascaras com penachos, dançando com espadinhas da madeira ao som de música sertaneja, ah, iah! E ainda assim tudo isso encontra seu lugar dentro da Igreja.

A questão é que existe a arte sacra e a arte meramente religiosa. A arte sacra é aquela que é própria do culto divino, da sagrada liturgia, uma arte refinada pela excelência e trabalhada segundo os mais finos padrões estéticos e teológicos. Contudo, paralela a arte sacra, sempre existiu uma arte meramente religiosa, popular, que trata de temas afins a religião, mas sem passar por tal processo de refinamento. Tais práticas mesclam a devoção com elementos mais lúdicos, danças e fantasias; no passado tivemos as Cantigas de Santa Maria (de Afonso X), as festas juninas, a folia de reis, as fitinhas do Senhor do Bom Fim, a árvore de Natal (a qual sua introdução em meios católicos é recente, a primeira árvore de Natal do Vaticano data de João Paulo II), hoje temos a Luce-chan.

Se é um erro trazer tais expressões populares ao centro da vida litúrgica, outro erro seria pretender condenar essa expressão popular extralitúrgica;  seria confinar a religião tão somente ao interior dos templos e mosteiros, privando-a de preciosos meios de evangelização popular.



II. O Artista

Outros argumentam que o artista que criou a personagem não seria nenhum santo, antes ao contrário: teria ideias tortas e relações com a cultura woke. Tal artista teria inserido referencias subliminares no desenho, a pomba branca com os ramos de oliveira, por exemplo, seria uma referência ao noahquismo. É um argumento válido, de fato é um incomodo pensar que dentre tantos devotos se tenha escolhido esse tipo de gente para elaborar a personagem, contudo, já ouviu falar de um sujeito chamado Michelangelo? De um outro tch0l4 chamado Caravaggio? No fim, algumas obras de arte ganham vida própria independente da intenção de seus criadores; tanto que o X está repleto de memes based da Luce-chan tocando fogo nos degenerados. 

Quanto aos elementos subliminares, bem, a capela sistina até hoje não foi demolida e nunca se condenou Dies Irae de Mozart. Algumas mensagens subliminares são tão bem escondidas que só intelectual chato percebe, a maioria das pessoas acaba fazendo o uso correto da arte e esquecendo (ou sequer percebendo) quaisquer intenções ocultas.

III. Cultura de Internet

A última objeção a qual pretendo responder neste artigo trata de uma suposta inferioridade da cultura da internet ante a cultura popular tradicional. De fato, existe tal inferioridade, assim como as culturas pagãs eram inferiores à cultura judaica. Contudo, quando do anúncio do Evangelho aos gentios, São Paulo demonstrou que não era necessário que este viesse acompanhado das práticas judaicas, era lícito aos conversos do paganismo desenvolver seus próprios costumes desde que estivessem em harmonia com a fé.

Para muitos são palavras difíceis de se engolir, uma vez que a cultura ocidental está como que se eclipsando; querem, pois, alistar os cristãos a luta pela preservação da mesma, arregimentar soldados para “salvar o Ocidente”. Não é necessário aos conversos dentre as gentes observar os costumes judaicos. Não é necessário aos católicos se tornarem reféns de um paradigma cultura extremamente específico de determinado onde e quando. O principal é que conservemos os dogmas da fé.

***

Se ainda assim, caro leitor, você não foi convencido e alimenta hostilidade para com a Luce-chan, resta-me o argumento defintivo: Ok, boomer!

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Cristo reina em sua empresa?


22ª Semana do Tempo Comum | Quinta-feira
Primeira Leitura (1Cor 3,18-23)
Responsório Sl 23(24),1-2.3-4ab.5-6 (R. 1)
Evangelho (Lc 5,1-11)

Um pregador estava ensinando a uma distância próxima enquanto você estava trabalhando. O pregador pede para usar seu estabelecimento, sua empresa, e pregar desde lá? Você aceitaria? Pedro aceitou, emprestou a barca a Jesus, que o constituiu Papa. Você estaria disposto a emprestar sua empresa para Jesus? Pode ser algo simples, colocar uma cruz ou imagem em algum lugar de destaque no estabelecimento, postar mensagens de evangelização no status do WhatsApp da firma ou simplesmente respeitar o calendário religioso, não trabalhando nos domingos e dias santos de guarda. "Loucura! - dirá a sabedoria do mundo - Não se deve misturar trabalho com religião." A esse respeito, recordo as palavras do apóstolo:

Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se julga sábio à maneira deste mundo, faça-se louco para tornar-se sábio. (1Cor 3, 18)

O reinado social de Jesus Cristo não começa lá na política, mas na sua casa, na sua empresa. Não seja um liberalzinho de 💩.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Da Tenda dos Sábios às Montanhas das Loucura


21ª Semana do Tempo Comum | Sexta-feira 
 Primeira Leitura (1Cor 1,17-25) 
 Responsório Sl 32(33),1-2.4-5.10ab e 11 (R. 5b) 
 Evangelho (Mt 25,1-13) 


1. A primeira leitura fala da loucura da cruz enquanto e evangelho trata da prudência das cinco virgens. Loucura e prudência, mais um belo paradoxo da fé católica. Duas verdades contraditórias aos olhos dos infiéis, cujo sentido só pode ser desvelado ante os verdadeiros crentes. Explorar o potencial de ideias loucas e ao mesmo tempo cultivar a prudência mais estrita digna de um mandarim. Habitar a tenda dos sábios e explorar as montanhas da loucura, eis aí uma jornada intelectual extremamente interessante.


2.
O Senhor desfaz os planos das nações pagãs, reduz a nada os projetos dos povos. (Sl 32(33), 10)

O pretenso reich de dez mil anos alemão não durou mais que doze anos. Ao se colocar contra os desígnios de Deus, mesmo um plano estético e astuto pereceu. Mas há símios de QI 83 que pretendem construir uma alternativa ao capitalismo e creem que podem libertar-se do domínio da Babilônia desde o terceiro mundo sem o auxílio de Deus. Não é necessário conversão, mas apenas política - pensam em seus corações - o que precisamos - o dizem - é de um grande projeto nacional. São como a alma de um condenado - segundo a imagem da mitologia nipônica -  empilhando pedras em uma praia as margens do Rio Sanzu, esperando assim construir uma escada para os céus que vai livrá-lo do inferno. Sopram os ventos e se perde tudo o que o sujeito construiu, de forma que está sempre a reiniciar a obra que nunca será capaz de concluir.

3. Ainda que cinco delas teriam sido imprudentes, havia dez virgens na parábola do Evangelho. Hoje com muita dificuldade poderemos achar uma ou duas, não digo no mundo, mas dentro de nossas paróquias. Uma pedra de tropeço, um escândalo que expõe a fé ao escárnio dos pagãos para conduta desordenada dos fiéis. E ao invés de ser motivo de vergonha e penitência, antes o contrário, os atuais hierarcas adulteram o Evangelho substituindo o termo ''virgens'' por ''jovens'', afim de não ofender as moças que levam uma vida promíscua e desonrada. É mesmo o fim dos tempos.

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Invista no Reino dos Céus


São Bernardo, abade e doutor da Igreja | Memória | Terça-feira
Primeira Leitura (Ez 28,1-10)
Responsório Dt 32,26-27ab.27cd-28.30.35cd-36ab (R. 39c)
Evangelho (Mt 19,23-30)

E todo aquele que por minha causa deixar irmãos, irmãs, pai, mãe, mulher, filhos, terras ou casa receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna. (Mt 19, 29)

É provável que você consiga um investimento que pague 1% ao mês. Se for um investidor muito competente, quem sabe não chega a uns 5%. Num jogo de sorte - que quase nunca acontece - pode ser que venha a dobrar seu patrimônio. Contudo há um investimento que paga muito mais, não o dobro mas o cêntuplo de tudo aquilo que investimos, tal investimento é o Reino dos Céus. Se por um tesouro terreno tantos se submetem a muitas privações, economizam, mudam seus hábitos, seu estilo de vida, seu mindset, tanto mais por um tesouro celeste. Invista no reino dos céus, pratique as obras de misericórdia, empenhe-se na caridade e receberá o cêntuplo, segundo as promessas de Deus. Um tesouro que não é tomado pelos ladrões ou pelo Estado, nem devorado pela traça, pela ferrugem ou pela inflação.

domingo, 18 de agosto de 2024

O Deserto do Underground


Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria, Solenidade | Domingo
Primeira Leitura (Ap 11,19a; 12,1.3-6a.10ab)
Responsório Sl 131(132),6-7.9-10.13-14 (R. 8)
Segunda Leitura (I Cor 15,54-57)
Evangelho (Lc 11,27-28)

A Mulher fugiu então para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um retiro para aí ser sustentada por mil duzentos e sessenta dias. (Ap 12, 6)

A aspiração de viver no centro (não apenas na questão geográfica, mas cultural) e o medo do combate, no meu entender essas são duas das principais características do espírito burguês, alguém voltado exclusivamente para o mundo. A leitura do livro do Apocalipse proclamada no dia de hoje mostra o caminho contrário: há um dragão vermelho lá fora e uma mulher que foge para o deserto. A mulher é a Virgem Maria, mas também é a Igreja e, ainda, nossa alma. As profecias tem camadas e camadas de significado. O deserto é o underground, o marginal, não no sentido econômico vulgar, mas cultural. A Igreja e também cada cristão, conforme avançam os tempos e o dragão desperta, vai pouco a pouco tendo de se afastar do centro da cultura, habitar as margens, o deserto, até que se completem os dias. Penso que se deveria ajudar os fiéis a pensar desde o deserto. Faz tanto tempo desde o fim da Idade Média, quando o dragão foi liberto de suas correntes, quando a Igreja foi expulsa do Estado e o mesmo se converteu num demônio: o Leviathan; mas ao invés de aprender a lidar com o deserto, alimentamos desejos nostálgicos - beirando ás vezes fantasias milenaristas - de retornar ao centro, de recuperar o poder temporal. Muitos parecem ansiar mais essa utopia eclesiástica, essa vitória política da Igreja, do que de fato a segunda vinda de Cristo. Como se fosse possível construir algo estável nesse mundo instável;  que é isso senão uma miragem?

sexta-feira, 19 de julho de 2024

É lícito fazer o bem fora das instituições?


15ª Semana do Tempo Comum | Sexta-feira
Primeira Leitura (Is 38,1-6.21-22.7-8)
Responsório Is 38,10.11.12.16 (R. cf. 17b)
Evangelho (Mt 12,1-8)

Salvo por algumas seitas esquisitas, aparentemente nossa cultura aprendeu a superar o paradigma de sábado, ultrapassando a compreensão tacanha dos judeus de outrora. Bem, mais ou menos. Hoje se aceita que se deve fazer o bem no sábado - e também no domingo e nos dias santos, que para o cristão são tanto mais importantes - mas se vem criando uma mentalidade que não se deve fazê-lo fora das instituições. Fora das escolas não se deve ensinar, fora dos hospitais não se deve curar, mesmo o que se diz na internet deve ser regulado, tudo previamente prescrito no texto legal. De piadas (memes) até a evangelização através da web, tudo querem regular, controlar; e não para evitar o mal, mas simplesmente pelo desejo de controle, como que mutilando o homem, tolhendo sua capacidade de fazer o bem. Essas infinitas regulações que tolhem a liberdade do homem, essa colonização das consciências que fazem com que se perca o poder de agir fora das instituições não seriam, pois, uma forma de daquela interpretação errônea do  Sábado por parte dos judeus?

sábado, 29 de junho de 2024

Dias melhores não virão


12ª Semana do Tempo Comum |Sábado
Primeira Leitura (Lm 2,2.10-14.18-19)
Responsório Sl 73(74),1-2.3-4.5-7.20-21 (R. 19b)
Evangelho (Mt 8,5-17)


Os teus profetas tinham visões apenas extravagantes e balofas. Não manifestaram tua malícia, o que teria poupado o teu exílio. Os oráculos que te davam eram apenas mentiras e enganos. (Lm 2, 14)

Enquanto Jeremias profetizava a ruína de Jerusalém, os falsos profetas falavam de sucessos e dias de glória. Iludidos por esses infelizes, os israelitas perseveraram na sua iniquidade, de forma que foram objeto da ira de Deus. A cidade foi destruída, o templo incendiado, a fome a guerra ceifaram vidas, o rei foi obrigado a assistir a morte de seus filhos e por fim teve seus olhos vazados e foi levado acorrentado para a Babilônia junto com todos os capazes dentre o povo, ficando no país tão somente os pobres e miseráveis. 

Por ocasião do Concílio Vaticano II, muitas vozes se levantaram alertando do perigo de uma abertura ao mundo. Foram desacreditados e apelidados de "profetas da desgraça", os chefes do templo preferiram dar ouvidos aos falsos profetas que anunciavam um "novo pentecostes", a "primavera da Igreja". E cá estamos nós em uma crise tremenda. Também em nosso país, muitos mentirosos prometem dias de glória, abstém-se de denunciar os pecados do povo: ''-O único problema é uma elite malvada, uma vez que nos deem poder e nos livremos dela, então o Brasil se tornará uma superpotência''. Enquanto continuarem a dar ouvidos a esses idiotas seguiremos no caminho do abismo e muitas tragédias se abaterão sobre a Igreja e a nação. "-Penitência!''; clamava o anjo em Fátima, enquanto o mesmo não for ouvido, não dias melhores não virão.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Alienados e gostando


Memória de Santo Antônio de Pádua, presbítero e doutor da Igreja | Quinta-feira
Primeira Leitura (1Rs 18,41-46)
Responsório Sl 64(65),10abcd.10e-11.12-13 (R. 2a)
Evangelho (Mt 5, 20-26)

Porque eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e a a dos fariseus, não entrareis no reino dos céus. (Mt 5, 20)

Qual era a grande falha do sistema religioso dos escribas e fariseus? Era um sistema fechado, não havia outputs. A prática dos escribas e fariseus começava e terminava neles, com muita dificuldade se expandia em benefício dos irmãs de raça e religião e de maneira alguma ia para além destas fronteiras. Um dos grandes contrastes do cristianismo com relação ao judaísmo farisaico é a quantidade e extensão dos outputs. Como as ondas de uma pedra jogada sobre a água, a prática cristã vem em socorro das necessidades dos irmãos, torna irmãos de fé mesmo os gentios - pessoas de outras raças, culturas e nações -  e d'algum modo beneficia até os que estão de fora, sob o ensinamento de amar aos inimigos.

A insistência sobre as obras, os frutos - os outputs da fé - fazem parte da jornada do cristão. Não devemos negligenciá-las. Embora - nesse tempo - acredito que precisamos desvencilhai-las da esperança humanista da construção de um mundo melhor. De certa forma, devemos nos contentar em ser como os trabalhadores alienados da crítica marxista: trabalhando sem compreender o produto ou a extensão daquilo que está sendo produzido. Alienados e gostando. O resultado, veremos no céu. Qualquer coisa diferente disso será problemático e nos torna vulneráveis a ideologias mundanas, utopias e milenarismos.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Tanto o Oriente dista do Ocidente


7ª Semana da Páscoa | Sexta-feira
Primeira Leitura (At 25,13b-21)
Responsório Sl 102(103),1-2.11-12.19-20ab (R. 19a)
Evangelho (Jo 21,15-19)

[...] tanto o oriente dista do ocidente quanto Ele afasta de nós nossos pecados. (Sl 102(101), 12)

Para além da simples questão geográfica, penso eu que essa distância entre Oriente e Ocidente -  no que diz respeito a temperamento, usos e costumes - tem algo de providencial. É como que um mecanismo de segurança, em um mundo unipolar, numa República Universal, todos vão juntos para o abismo junto; mas se há dissenção, se há fragmentação, é possível traçar outros destinos, apartar-se da desgraça coletiva. Há algo de demoníaco no desejo fetichista por unidade política e cultural, um reboot do episódio da Torre de Babel. Ao mesmo tempo, há algo de providencial na fragmentação, na confusão das línguas. Não é a política a via de unidade, mas a religião revelada, e ainda assim é uma unidade paradoxal com grande espaço para a variedade e experimentação: a Igreja medieval com sua miríade de ordens, onde a autoridade do bispo e do abade se confundiam, onde os reis e a nobreza como que num sistema de freios e contrapesos coibiam os excessos do clero, onde se podia confundir até onde iam os limites da autoridade do Papa e do Imperador.

domingo, 12 de maio de 2024

Milagres no mundo das ideias


Solenidade da Ascensão do Senhor | Domingo
Primeira Leitura (At 1,1-11)
Responsório Sl 46(47),2-3.6-7.8-9 (R.6)
Segunda Leitura (Ef 1,17-23)
Evangelho (Mc 16,15-20)

1.
[...] para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de glória, vos dê o Espírito de sabedoria e de luz, para o conhecerdes, iluminando os olhos do vosso coração, para que conheçais qual é a esperança a que ele vos chamou, e quais as riquezas da glória da sua herança reservada aos santos. (Ef 1, 17-18)

O universo é complexo e esconde muitos segredos. Tendo em vista apenas a experiência humana há tantas camadas; a metáfora de Yggdrasil, a árvore dos nove mundos, me vem a mente. Existem, de fato, diversos mundos. Há o mainstream, o mundo do teatro das sombras, da ilusão, da narrativa oficial, aquilo que é retratado na televisão e pode ser dito em público. Por trás dos panos do mainstream existe a verdade sobre as coisas humanas, as quais - se não estamos inseridos nos círculos do poder - temos acesso apenas a fragmentos. Há o mundo digital, praticamente uma outra dimensão cheia de bolhas cibernéticas, sujeito a outras regras, onde as pessoas manifestam personalidades diversas e pronunciam palavras que não podem ser ditas no mainstream. Há o mundo das ideias, uma grande névoa onde habitam os fantasmas dos intelectuais mortos, o qual temos acesso por meio dos livros, há tantas e tantas coisas que fogem a compreensão dos homens comuns, tantas e tantas ideias que remontam a tempos distantes. Há o mundo espiritual, ou bem se poderia dizer: mundos espirituais, onde habitam os anjos e demônios, por onde transitam bênçãos e maldições, onde se dá a batalha entre tronos, dominações, principados e potestades pelos destinos do mundo e de cada uma das almas imortais. Apenas com os olhos da carne, não podemos lidar com tamanha complexidade, nosso sistema operacional entra em colapso e passamos a considerar como real apenas o mundo da ilusão, o mainstream, o teatro das sombras. No mito pagão, Odin teve de abrir mão de um de seus olhos para adquirir a Sabedoria e ser enforcado nos galhos de Yggdrasil para adquirir o conhecimento sobre as runas. Nós cristãos não precisamos de nada disso, basta que peçamos ao Espírito. Nosso Jesus Cristo com sua dolorosa paixão e morte na cruz já pagou o preço por nós.

2. 
Eis os milagres que acompanharão os que crerem: Expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão as serpentes e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará mal, imporão as mãos sobre os enfermos e serão curados. (Mc 16, 16-17)

Há ideias que estão como que assombradas por demônios, são astutas como serpentes e mortíferas como venenos, que fazem a muitos cariem enfermos, de tal modo que os comuns dos homens fazem bem e se afastar delas. O rastro de morte deixado pelo romance de Goethe, a feitiçaria da filosofia idólatra de Hegel, os enigmas da esfinge perenealista de Guenon. Entretanto, com a graça de Deus o cristão tem a força para penetrar no labirinto e escapar do monstro, é capaz de cortar a cabeça da Górgona e subtrair os tesouros escondidos, realizando verdadeiros milagres no mundo das ideias. Assim como há santos que realizam  prodígios no mundo físico, há aqueles que o fazem no mundo das ideias. A vida de um Santo Agostinho de um Santo Tomás de Aquino são exemplos luminares para nossos dias. Contudo, sem a graça divina, perderemos a força, como ocorreu com Sansão ao ter seus cabelos cortados, e seremos presa fácil nas mãos de nossos inimigos.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Breves meditações acerca dos Sete Dons do Divino Espírito Santo


BREVES MEDITAÇÕES ACERCA DOS SETE DONS DO DIVINO ESPÍRITO SANTO

(I) SABEDORIA

1. Dentre os dons do Espírito Santo - que recebemos no Batismo e que com a Crisma sofrem uma espécie de upgrade - o primeiro deles é a Sabedoria. Ela se manifesta principalmente na capacidade de saborear as coisas sagradas. O saborear a vida de oração, a beleza da arte sacra, a virtude. E assim, com o paladar apurado pelos manjares do céu, seremos capazes de desprezar as lavagens da terra.

2. O leitor já deve ter notado que existem almas que não suportam pensar no céu, que não são capazes de longas orações, a que todo e qualquer sacrifício lhes é pesado, que são incapazes de bom gosto, de saborear a boa arte, de meditar nas verdades da fé. Falta-lhes sabedoria e, sem esta sabedoria, com o coração preso na terra, agem como estultos.

3. O princípio da sabedoria é o temor de Deus. É preciso considerar o poder de Deus que pode nos castigar em vida e precipitar no inferno após a morte. Somente assim iremos adquirir a dimensão da gravidade de nossos atos e a força para dar o passo inicial nessa jornada em busca das realidades celestes.

4. Em suma, a Sabedoria é o gosto pelo sagrado acompanhado do desprezo pelo profano, uma configuração interna d'alma que modifica completamente nossa conduta, a marca que difere os santos - e aspirantes a santidade - dos mundanos.

 (II) INTELIGÊNCIA

5. A ciência da cruz é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. As verdades da religião, por mais que sejam diariamente proclamadas na liturgia e esmiuçadas pelos santos, são para tantos incompreensíveis. Mesmo após anos e anos escutando pregações e lendo a escritura, há tantas e tantas dúvidas. Dúvidas tamanhas que há aqueles que desistem ''-Melhor não ler a Bíblia, e só obedecer cegamente a autoridade'' é o raciocínio dos preguiçosos. Por mais que a autoridade visível tenha sua função no plano da salvação, Deus não dispensa os fiéis do trabalho de examinar e procurar compreender sua doutrina, e para tal lhes infunde no batismo o dom da inteligência.

6. Que é o Dom da Inteligência? É uma potência sobrenatural infundida no batismo que dá ao homem a capacidade de entender os mistérios da religião, penetrar em seu sentido último.

7. Ao longo da história da Igreja vemos tantos santos rudes, analfabetos, que contudo mostraram uma inteligência e conhecimento dos mistérios sagrados tanto maior que os dos mais renomados teólogos.

8. Muitos procuram a manifestação do Espírito Santo nas paixões, nos sentimentos, em algum tipo de intuição obscura. Tanto que fazem do centro de sua espiritualidade o pronunciar palavras incompreensíveis. Mas, no mais das vezes, o Espírito Santo age iluminando o entendimento. Alguém tem dúvidas de que Santo Tomás de Aquino e Santo Agostinho eram homens repletos da graça divina e iluminados pelo Espírito Santo? Como o Paráclito agia neles? Com arrepios no coração, intuições sem explicação ou, ao contrário, dando-lhes a inteligência para compreender a ação divina?

(III) CONSELHO

9. Se os dons anteriores - sabedora e inteligência - são dados, inicialmente, para benefício próprio, este terceiro é dado para o bem do próximo. Aquele que recebe o dom do conselho não o recebe para si, mas para outrem

10. Alguns podem vir a perguntar: "-Não são os mandamentos e a doutrina mais que o suficiente?" Acontece que os mandamentos e a doutrina são princípios gerais e a aplicação deste a circunstâncias específicas nem sempre é muito clara. Além do quê, as almas são, pois, distintas: o que para uma pode ser um remédio, para outra um veneno. Um exemplo é o álcool: para certa espécie de homem o álcool é um veneno, um caminho ao vício e a embriaguez; para outro um salutar remédio que o torna mais sociável, ajuda a vencer a tristeza e estar mais próximo de nosso Senhor. Assim também o jogo, o cigarro...

11. Necessitamos de conselhos para a nossa saúde, então recorremos aos médicos. Não raro necessitamos de conselhos para a realização de atividades físicas, procuramos alguém que treina a mais tempo, algum veterano da academia. Necessitamos de conselhos para nossa vida financeira, procuramos ler os livros dos grandes investidores, conversar com amigos mais experientes. Ás vezes necessitamos de conselho quanto a religião, a uma dificuldade no trabalho, acerca de certa situação em nossa família...

12. Há uma tendência em fazer do conselheiro uma espécie de psicólogo, um cargo. Não é assim. Ele - o conselheiro -  não existe para tutorar todas as nossas decisões como fossemos criancinhas incautas, bem como, nem sempre uma pessoa é a adequada para nos aconselhar em todas as situações. Às vezes recorremos a alguém uma ou duas vezes na vida, a outro umas três ou quatro e é o suficiente. Também quando nos pedem conselhos devemos ter esse desprendimento, dar a pessoa o que ela quer, conforme Deus venha a nos inspirar, e deixa-la ir. Que coisa feia é o conselheiro que pretende fazer do outro sua propriedade, que espera ansiosamente que volte afim de lhe dar o retorno dos resultados obtidos, afim de se envaidecer.

13. Também não é bom que tenhamos um único conselheiro, é oportuno ouvir opiniões divergentes e pesá-las na oração afim de discernir o melhor caminho. 

Por falta de direção cai um povo; onde há muitos conselheiros, ali haverá salvação (Pr 11, 14)

14. Por fim ressalto que o conselho é um auxílio, não uma ordem. O conselheiro não deve decidir por ti, mas aclarar a situação para que tu possas tomar a decisão. Leve isso em conta também se acabar na situação de aconselhar a outrem...

(IV) FORTALEZA

15. Dos sete dons do Espírito, talvez o dom da Fortaleza seja o mais palpável. É fácil observá-lo na coragem inquebrantável dos mártires a suportar todo tipo de tortura, no senso de aventura dos missionários a partir para terras distantes e absolutamente desconhecidas. Ou mesmo em como muitos descem aos infernos, as mais profundas misérias humanas afim de erguer os irmãos, como São Damião Molokai que quis servir em uma colônia de leprosos. Vemos no espírito cruzado dos lusitanos, que durante oito séculos guerrearam contra os maometanos. Também na heroica coragem de um Marcel Lefebvre, que já ao fim da vida, sem deixar se abater pela doença e a velhice, suportou o peso de uma injusta excomunhão para defender a Tradição Católica.

16. Tal fortaleza não é obra dos homens, mas de Deus. É infundida nos corações pelo Divino Espírito. Contudo se pelo pecado o homem expulsar o Espírito, romper a conexão com a graça, acontece como no episódio de Sansão. Com seus cabelos cortados, ele perdeu toda sua força. Assim também, homens outrora fortes e valentes, uma vez que rompem a aliança com Deus, que perdem o estado de graça pelo pecado, podem vir a torna-se ratos covardes e fracos.

17. Vivemos em uma guerra espiritual e mais do que em outros tempos está mais do que claro que as instituições oficiais, que a sociedade, o mundo, estão sob o Sol de Satã. Tal como os antigos lusitanos estamos destinados a viver e morrer lutando numa guerra perpétua, numa cruzada de séculos contra a modernidade. Afim de não desanimarmos, não desertarmos de tal luta, precisamos clamar ao Espírito pelo dom da Fortaleza.

18. Na mitologia nórdica apenas os guerreiros valorosos poderiam gozar da companhia de Odin em Valhalla. Também a religião verdadeira reserva o céu tão somente aos mais valentes guerreiros, aqueles que resistiram até o sangue contra o pecado, aqueles que viveram para fazer guerra ao demônio, ao mundo e a carne. É preciso pois que sejamos soldados dignos do Senhor Deus dos Exércitos e nos armemos espiritualmente, afim de infernizar a vida dos demônios.

(V) CIÊNCIA

19. O dom da Ciência é uma espécie de olhar aguçado que permite ao homem encontrar a raiz de determinado problema. Na vida espiritual esse dom se manifesta sobretudo no discernimento dos espíritos, na capacidade de identificar e desmascarar os truques do demônio.

20. Também na vida intelectual o dom da ciência se manifesta de sobremaneira, o vemos manifesto, por exemplo, na Pascendi de São Pio X onde em meio ao labirinto de doutrinas e enganações dos modernistas o santo papa fora capaz de ver uma unidade no processo, rastrear o núcleo do problema.

21. Sem o dom da Ciência o homem não é capaz de identificar a causa de certos problema e, com um olhar míope e estreito, se limita a combater tão somente os sintomas. Vemos como a ausência desse dom torna vãos os esforços de muitos clérigos conservadores que embora travem combate contra a atual onda de erros e abusos no interior da Igreja, não se atentam a causa de tudo isso, a cloaca donde sai essa multidão de demônios, a saber: a rendição da Igreja a Revolução através do Concílio Vaticano II.

22. Se aos conservadores dentro da Igreja falta a ciência, que se dirá daqueles que estão fora dela? Tantos tolos pensam poder resolver os problemas do mundo com política, não tem Ciência, não conseguem discernir que a raiz do problema é religioso e não político: se Cristo não reina sob as nações, elas se tornam pastos dos demônios.

(VI) PIEDADE

23. O dom da Piedade consiste no zelo pelo correto cumprimento dos deveres da religião, ainda que faltem consolações externas.

24. Há almas que cumprem os deveres da religião com tanta má vontade que é como se não o fizessem. Rezam não com atenção, mas com pressa, atropelando as palavras sem se deter em seu significado. Vão a missa de qualquer jeito, sem atentar as vestimentas adequadas ou a correta postura exterior.

25. O dom da piedade tanto serve para nos dar perseverança no cumprimento de nossos deveres de religião, como para edificar os outros. Uma alma piedosa incendeia as demais, insulta a sua mediocridade, dá a dimensão da gravidade das coisas sagradas por seus atos externos, ainda que internamente esteja vivendo uma tempestade, uma noite escura. Ao contrário a alma pouco piedosa, por sua conduta externa relaxada, desanima os irmãos na prática da fé, os arrasta a mediocridade e abre brechas para que entre o demônio da Acídia.

26. Hoje mais do que nunca falta a piedade nos católicos: quantas devoções abandonadas, quantas missas mal celebradas, quantas cânticos mal compostos, igrejas feias e mal construídas, pregações rasas e medíocres.

27. A piedade é como que o óleo da lamparina, sem ela a chama da fé vai se apagando e pode chegar a desaparecer. É o óleo que faltou aos virgens imprudentes e as condenou as trevas exteriores.

28. Contudo, não podemos fabricar a piedade por nós mesmos. Como se trata de um dom do Espírito, devemos pedi-la em oração. Pedimos tanta coisa, mas esquecemos com frequência de pedir os dons espirituais, os dons do Divino Espírito Santo. Quanta tolice de nossa parte!

(VII) TEMOR

29. Por temor da miséria e da fome quantos homens não se põe ativos e criativos afim de custear o pão para si e para os seus? Por temor das leis do Estado (não raro tirânicas) muitos renunciam a liberdades legítimas desejosos a evitar confusão. Não poucos renunciam ao casamento por temor dessas mesmas leis estatais que hoje sufocam os homens. Ora, que efeitos e renúncias heroicas não produz na alma o santo temor de Deus?

30. Motivos para o temor não o faltam: Deus é infinitamente grande e terrivelmente poderoso. Vede a ira de Deus, como ele quase extinguiu a humanidade com o dilúvio, como fez chover fogo dos céus e pulverizou as cidades de Sodoma e Gomorra, como enviou seu Anjo Exterminador para punir os primogênitos do Egito depois de submeter aquela nação a pragas terríveis, como entregou os povos de Canaã ao espada dos israelitas.

31. E o que são os castigos temporais comparados as penas espirituais? Pensemos pois nas agonias terríveis do Purgatório, que apesar de longas e intensas ainda tem um fim. Pensemos agora nas torturas infinitas do inferno, onde as almas serão castigadas com aquilo que há de mais perturbador e confiadas aos mais cruéis carrascos - a saber: os próprios demônios - .

32. Não devemos, pois, cultivar o temor? O temor dos castigos temporais e das pensas eternas e de tal modo alterar nossa conduta para que não compartilhemos a sorte dos inimigos de Deus? O temos de Deus é o princípio de toda a sabedoria, que vale o homem ganhar o mundo se vir a perder a vida eterna? Temamos pois o inferno, a ira de Deus e teremos uma conduta sóbria neste mundo. Cultivemos uma atitude despreocupada e viveremos como estultos, tal estultice será causa de lamento por todos os séculos dos séculos. Quantas mil anos de sofrimento certa alma do purgatório não poderia ter evitado se realizasse uma mínima emenda ante certa conduta? Quão terríveis torturas se teria evitado um dos danados se tivesse meditado sobre a Ira de Deus?

33. Mas o homem de hoje tem medo de ter medo,  temor de temer. Muitos ao pensar nessas coisas ficam ansiosos, acabrunhados, não conseguem descer ao inferno sequer em pensamento. É por isso que o Temor é um dos dons do Espírito Santo. É preciso certo carisma especial para meditarmos sobre isso, certa fibra espiritual para imaginar tais castigos. A falta desse dom leva a tantos teólogos a vomitarem um oceano de estupidez: "-Os demônios não existem, o inferno está vazio, Deus não castiga", temem temer e para escapar do medo se agarram a falsas esperanças, a heresias estúpidas, fazem-se pois néscios e estultos.

VENI CREATOR SPIRITUS

domingo, 21 de abril de 2024

Apophis e caos cibernético-libertário

No terceiro livro da trilogia Sprawl (Monalisa Overdrive) há um personagem denominado Gentry, o qual é obcecado pela ideia da forma do ciberespaço, evocando uma espécie de espiritualidade pitagórica. Ainda que nosso amigo Gentry seja tão somente um personagem fictício, sua obsessão pela forma da internet tem razão de ser, pois essa determinará o futuro de nossos dias.

Por muito tempo, pensou-se a internet como um outro mundo, uma dimensão paralela desbravada por certos entusiastas que pouco ou nada influenciava o mundo real. Contudo, d'algum modo as fronteiras se tornaram cada vez mais tênues a ponto de desaparecerem. Como a serpente do caos, a mítica Apophis em sua eterna batalha contra , o caos cibernético-libertário está a devorar o sol da normalidade burguesa e promete mergulhar o mundo em algum tipo de ilustração das trevas, ainda que Rá esteja a lutar violentamente afim de manter o seu reinado, tal como predito pelo Indivíduo Soberano.

O que quer que se pense sobre o capitalismo, ele é um leão aprisionado. Fora domado na síntese socialdemocrata asimoviana, a liberdade é apenas o suficiente para que escravos – na ilusão de autonomia – produzam mais e mais. Mas à medida que esta autonomia prejudica os “interesses nacionais” a liberdade é cerceada. Vemos isso tanto nas investidas do judiciário tupiniquim contra a liberdade de expressão nas redes sociais, quanto nos esforços de guerra dos EUA, congelando e confiscando ativos de cidadãos russos, bem como na infantil cruzada neopuritana contra o TikTok. Contudo, a corrida tecnológica está a todo o vapor e rede mundial há muito está deixando para trás as estruturas obsoletas do velho Estado Nação comendo poeira.

Como na saga Freeza, a batalha entre Apophis e Rá é recheada de plot twist, reviravoltas e variações na escala de poder. Seja como for, o mundo já não é mais o mesmo. A cultura mainstream – que outrora foi sinônimo de normalidade – não é outra coisa senão uma bolha entre tantas, o mundo está cada vez mais tribalizado, fragmentado. A estabilidade de certas estruturas narrativas, roteiros de vida, carreiras e ofícios tradicionais:  desapareceu;  ao mesmo tempo surgem diversas promessas que almejam tomar seu lugar, e a maioria delas não dura mais que um ou dois tempos. De um modo ou de outro, estamos a nos livrar da “igualdade” propagada pela Revolução, o universo interior e o conjunto de referências  das pessoas está se tornando profundamente desigual, o senso comum não é mais tão comum, uma providencial confusão das línguas vem para frustrar os planos das elites globalistas acerca do governo mundial. Mas ao mesmo tempo, essa nova Babel é um desafio a sanidade de muitos. Se não surgirem profetas e filósofos para instruírem o rebanho acerca dos desafios e oportunidades desta nova era, é provável que muitos se percam, e passem a prestar culto ao Leviatã de Hobbes afim de conservar o que não deve ser conservado, como os israelitas no deserto a chorar pelas cebolas do Egito.

O futuro é cyberpunk.

domingo, 31 de março de 2024

Quebra de Monopólio


A única coisa que eu explícita e estrategicamente gostaria de impor é a fragmentação. - Nick Land

Por trás de meu entusiasmo ante o Oriente não há, pois, profundas razões históricas, sociológicas ou metafísicas, mas tão somente certo deleite estético e sobretudo um princípio básico da economia capitalista: a livre-concorrência. O Oriente se ergue como uma civilização alternativa ao Ocidente, um lugar com usos e costumes diversos, com um estilo próprio e influenciado por outros grupos de poder. De certo modo o mesmo se pode dizer da idealização que fazem os metropolitanos da vida interiorana, ou mesmo nossa nostalgia em relação ao passado, à outras eras e outras civilizações. Basicamente não se suporta mais vida nesta nova Sodoma, então, porque não recorrer a concorrência? Ainda que não haja uma migração de fato, o ter em vista outra perspectiva torna a vida mais leve e ajuda a preservar a sanidade. Imagine o quão angustiante seria viver sem alternativas, obrigado a suportar algo que lhe desagrade? Por isso eu considero a luta pela unidade uma das causas mais vis e perversas a qual alguém possa aderir e a fragmentação a mais nobre das batalhas. Sem entrar em devaneios metafísicos que possam soar heréticos, sem transformar princípios em fetiches - imperativos kantianos - que venham a bagunçar tudo, mas falando de realidade humana concreta: unidade significa monopólio.

O Estado e suas instituições (escola e universidades) não devem ter o monopólio da educação. O Ocidente não deve ter o monopólio dos valores civilizacionais. As bigtechs não devem ter o monopólio do domínio da técnica. Não deve haver monopólios e consenso universal nem mesmo na ciência. O único monopólio lícito é o da Igreja, esta de fato tem o monopólio da salvação, mas ainda assim ela abriga em seu seio uma variedade imensa de grupos, perspectivas e estilos de se professar e viver a fé. Voltando as realidades profanas: Hollywood não deve ter o monopólio do entretenimento, as mulheres ocidentais (sobretudo as feias e rodadas) não devem ter o monopólio sobre o destino dos homens ocidentais (o que não significa que eu esteja a defender coisas abomináveis como o pecado contra a natureza, mas sim o ir procurar sua esposinha no oriente ou viver o celibato). Enfim, você já entendeu o espírito, não? Quebrar monopólios e impulsionar alternativas, isso torna o mundo um lugar mais divertido, abre uma rota de fuga para escaparmos da escravidão moderna. Não deixemos que eles terminem Torre de Babel!

Ora toda terra tinha uma só língua e um mesmo modo de falar. Mas (os homens), tendo partido do oriente encontraram uma planície na terra de Sennar e habitaram nela. Disseram uns para os outros: vinde, façamos tijolos e cozamo-los no fogo. E serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em vez de argamassa. Disseram ainda: vinde façamos para nós uma cidade e uma torre, cujo cimo chegue até ao céu, e tornemos célebre o nosso nome, antes que nos espalhemos por toda terra, O Senhor, porém, desceu a ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam, e disse: eis que são um só povo e têm todos a mesma língua; começaram a fazer esta obra, e não desistirão do seu intento, até que a tenham de todo executado. Vamos, pois, desçamos e confundamos de tal sorte a sua linguagem, que um não compreenda a palavra do outro. Assim o Senhor os dispersou daquele lugar por todos os países da terra, e cessaram de edificar a cidade. Por isso, lhe foi posto o nome de Babel, porque aí foi confundida a linguagem de toda a terra, e daí os espalhou o Senhor por todas as regiões. (Gn 11,1-9)

Cristandade Ancap

Após o chamado de Deus, Abraão deixou a cidade de Ur acompanhando por sua esposa, seus servos e seu sobrinho Lot, vagando pelos desertos até Canaã, a terra que o Senhor lhe prometeu. Essa é a imagem bíblica mais próxima que temos de algo como o ancapistão: um homem rico vagando pelo mundo com seus bens, não subordinado a Estado algum, o Patriarca que governa sua casa sujeito tão somente aos leis do Senhor seu Deus. Tais configurações se manteriam por duas gerações, nem Isaac nem Jacó estavam ligados a algo como uma pátria, um governo, um Estado Nação, mas eis que veio a fome sobre aquela terra e a casa de Israel imigrou para o Egito, donde ficaria sujeita ao governo dos faraós até Moisés. E daí para frente a história bíblica foi uma história estatal.

Samuel referiu todas as palavras do Senhor ao povo, que lhe tinha pedido um rei, e disse: Este será o direito do rei que vós há-de governar: Tomará os vossos filhos, pô-los-á nos seus carros, fará deles moços de cavalo, e correrão diante dos seus coches. Fará deles seus tribunos, seus centuriões, lavradores dos seus campos, segadores das suas messes e fabricantes das suas armas e carroças. Fará de vossas filhas suas perfumadeiras, cozinheiras e padeiras. Tomará também o melhor dos vossos campos, das vossas vinhas, dos vossos olivais, e dá-los-á aos seus servos. Também tomará o dízimo dos vossos trigos e das vossas vinhas, para ter que dar aos seus eunucos e servos. Então clamareis ao Senhor, por causa do rei, que vós mesmos elegestes, mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia, porque vós mesmos pedistes um rei. (1Sm 8, 10-18)

Com a vinda de Cristo, eis algo novo! Ainda que Nosso Senhor seja rei, seu reino não é deste mundo. Rejeitada pela sinagoga e perseguida pelo império, a Igreja surge e se desenvolve a margem do Estado e das instituições oficiais. É um organismo não estatal multinacional, uma assembleia de pessoas que se unem e passam a contribuir coletivamente por livre espontânea vontade, sem qualquer coerção externa. Na verdade, até apesar da coerção externa: as cruéis torturas infligidas pelo tirania dos césares romanos não foram capazes de abalar a vontade inquebrantável dos mártires. A Igreja vence o Estado, até que acaba fundindo-se com ele. E essa fusão moldará sua identidade nos séculos que se seguiram. O poder temporal, as estruturas da máquina estatal, a força do Leviatã, os recursos, as armas, tudo isso foi posto à serviço do Reino de Deus. Mas esse tempo acabou, cortaram a cabeça dos reis e expulsaram a Igreja da vida pública, eis que é necessário reaprender a viver a margem do Estado.

Já são mais de 200 anos desde a Revolução Francesa, todavia a maior parte dos fiéis parece não ter aprendido a lidar com o assunto. Os progressistas (os quais nem considero eu católicos), procuram ceder na doutrina para ter parte na governança do mundo laico, os conservadores e tradicionalistas alimentam fantasias de restauração, e - flertam com tanta besteira... -  assim se afundam em lutas políticas cujos resultados são risíveis. Por que não abrir mão desse sonho de reconquistar o Estado e aprender viver a margem dele, minorar seu poder, numa espécie de Cristandade Ancap? Ainda que de fato o Estado Cristão seja um ideal, há que se fazer um bem bolado quando este ideal é hoje inalcançável, não?

Estou lendo recentemente um clássico cyberpunk chamado Snow Crash, fiquei maravilhado com universo descrito por Neal Stephenson:  as micronações que funcionam em esquema de condomínio, o metaverso, a dinâmica de uma economia hipercapitalista de plataforma, as armas (qual é o homem que não gosta de armas? Quem não tem espada, que venda sua túnica e compre uma! Aliás esse negócio de espada é algo meio vintage, porque não uma 38?), a forma como o indivíduo pode facilmente aparatar-se do destino das falhas escolhas coletivas e discernir seu próprio caminho. Tudo isso soa tão mais belo em um tempo onde a nação em que vivo se degradada tanto mais, a janela de liberdade é cada vez menor, e políticos bobocas alimentam devaneios comunistas cujo resultado não é outro senão a miséria. Haveria tantas oportunidades para Igreja em um futuro atlantista, aceleracionista, hipercapitalista, cyberpunk, além de que este cenário é bem mais factível que uma nova cristandade estatal...

***

Depois de ler esse texto, na certa algum leitor estará tentado a enviar-me links de uns três ou quatro podcasts com duas horas de duração cada, argumentando sobre os erros do anarcocapitalismo e maldizer-me nas redes sociais. Convido-o a reler o texto com um pouco mais de senso de humor hihi, meu intento é menos pregar alguma ideologia ou modelo de sociedade, do que abrir a mente de meus irmãos de fé para pensar formas de ação para além da política e das instituições visíveis. 

segunda-feira, 11 de março de 2024

A farsa multiplicidade e o bug no moto-perpétuo

Se há algo que torna o capitalismo interessante é o múltiplo, a variedade de empresas, lojas, produtos e serviços que concorrem entre si ao modo da mitologia darwiniana afim de sobreviver, dando ao consumidor uma ampla margem de escolhas. Os marxistas falam do capitalismo como um monstro indestrutível, os liberais louvam sua forma, os primitivistas temem sua complexidade, é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo, eis pois a máquina de moto-pérpetuo, a lâmpada que nunca apaga, o sonho dos cientistas de tempos idos, quem dera assim fosse. Não quero apavorar ninguém, mas a coisa não está funcionando muito bem...

Sob a guia do Detetive Kun Kun, passemos a investigar o assunto. De algum modo toda a miríade de empresas que vemos por aí não são senão máscaras de grandes corporações internacionais, assim como toda a variedade de produtos disponíveis no supermercado são praticamente feitos dos mesmos ingredientes - milho e soja - ainda que criptografados segundo os arcanos da indústria alimentícia. Ok, talvez isso seja um pouco difícil de se averiguar, então usemos um pouco de empirismo: abra a app store no seu celular e ante uma miríade de produtos experimente a frustação ao notar que a maioria são absolutamente inúteis, talvez uma dezena traga funções realmente interessantes e todo o resto não é senão lixo colorido. Agora, saia um pouco do quarto, visite as lojas de sua cidade e seja tomado pelo tédio ao observar que vendem praticamente os mesmos produtos. Para onde foi todo aquele vigor e inventividade do mercado que nos foi prometido? Se desvaneceu como uma miragem no deserto.


Quem é, pois, o vilão que ameaça nossa economia? Quem é aquele que frustra o fantástico sonho do mercado onde poderemos obter desde bonecas amaldiçoadas a tapetes voadores? O Estado - dirão os libertários - ! Sim, esse velho tirano sufoca nossa liberdade e atrasa o desenvolvimento tecnológico, tornado o capitalismo refém de um arranjo institucional obsoleto, soltem o Leão! Em parte os rapazes estão certos, mas há algo que ignoram. Atentem à máquina - nos diz o pequeno Kun Kun - e notarão o combustível que alimenta o moto-perpétuo! De fato, há um líquido viscoso e colorido que lubrifica o equipamento e o mantém funcionando, o combustível do capitalismo, o substrato da multiplicidade. Que é isto? É a imaginação!!!

O mundo real não é outra coisa senão um reflexo distorcido do hiperurânio, o reino do ideal, o mundo das ideias de Platão! Nada está na realidade sem antes se manifestar na literatura, antes de algo ser realizado ele deve ser pensado, imaginado! O sonho capitalista depende que a névoa produzida pelos artistas inspire a ganância dos empreendedores. Se não há imaginação, não há criação, inovação, o motor do capitalismo é obsediado, o mundo é invadido pelo tédio dos oligopólios, a multiplicidade se torna uma mentira. Se quisermos salvar o capitalismo, precisamos de alguma forma reencontrar o caminho para o país das maravilhas!

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Bifurcação


Quinta-feira depois das Cinzas
Primeira Leitura (Dt 30,15-20)
Responsório Sl 1,1-2.3.4 e 6 (R. Sl 39,5a)
Evangelho (Lc 9,22-25)

O salmo de hoje apresenta uma bifurcação, de um lado o caminho dos eleitos - que são qual árvore plantada à beira da torrente - vigiado por Deus, doutro a estrada dos malvados - que são como que a palha seca, espalhada e dispersada pelo vento - cujo destino é a morte. No livro do Deuteronômio, a escolha entre a vida e a morte é colocada uma vez mais diante dos olhos. Quando o Brasil se dividiu entre esquerdistas e direitistas, alguns incautos entraram em pânico, e passaram a clamar por uma unidade nacional, faz parte do ethos infantil desse povo tentar conciliar aquilo que não pode ser conciliado: o catolicismo e a macumba, a revolução sexual e a família tradicional, o socialismo e o capitalismo, o pecado e a graça, o céu e o inferno. Mas a escritura é clara, é preciso escolher um caminho, tomar uma decisão ante a bifurcação. A bifurcação não é um mal, antes é a realidade da vida. Aquele que não é capaz de escolher acabará sendo escolhido...pelo inferno.

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Religião política


Santa Escolástica, virgem - Memória | Sábado
Primeira Leitura (1Rs 12,26-32;13,33-34)
Responsório Sl 105(106),6-7a.19-20.21-22 (R. 4a)
Evangelho (Mc 8,1-10)

Jeroboão manda fazer dois ídolos, estabelece templos e sacerdotes, bem como festas a seu capricho; fabrica uma religião afim de justificar seus devaneios políticos. Também hoje assim o fazem, criaram dentro da própria Igreja uma outra igreja para justificar a social democracia e a ordem mundial do pós-guerra. Um parasita que cresce e emerge do corpo de seu hospedeiro, como na clássica cena do filme Alien,  O Oitavo Passageiro. Se outrora o monstro estava escondido, hoje colocou sua cara para fora: a benção ás uniões amaldiçoadas é o elefante na sala, o bezerro em Betel; espero que não sejas tu, caro leitor, daqueles israelitas que foram queimar incenso aos ídolos, que não profane sua fé oferecendo sacrifícios à bandeira de Sodoma...

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Sabedoria manifesta em obras


5ª Semana do Tempo Comum | Quarta-feira
Primeira Leitura (1Rs 10,1-10)
Responsório Sl 36(37),5-6.30-31.39-40 (R. 30a)
Evangelho (Mc 7,14-23)

Quando a rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão, a casa que ele tinha feito, os manjares de sua mesa, os aposentos de seus servidores, as habitações e os uniformes dos seus oficiais, os seus copeiros, os holocaustos que ele oferecia na casa do Senhor, ficou fora de si [...] (1Rs 10, 4)

A sabedoria não fica confinada na cabeça do homem, em um reino etéreo de absoluto inacessível, mas encontra meio de se manifestar, de se expressar materialmente na construção de um microcosmos de beleza e ordem que -  embora um eco distante do universo interior - ainda assim enriquece de sobremaneira o mundo exterior. O homem sábio, verdadeiramente sábio, é capaz de construir um mundo entorno de si, de forma que outros vem dos lugares mais distantes para contemplá-lo. E se for pura tal sabedoria, tais obras moverão os homens a louvar o Senhor que as inspira. O homem banal tão somente habita as estruturas construídas por outrem; o sábio tem o carisma para criar e edificar.

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Como ovelhas sem pastor


4ª Semana do Tempo Comum | Sábado
Primeira Leitura (1Rs 3,4-13)
Responsório Sl 118(119),9.10.11.12.13.14 (R. 12b)
Evangelho (Mc 6,30-34)


No Evangelho de hoje, Nosso Senhor Jesus Cristo se compadece das multidões, pois eram como ovelhas sem pastor, e então ensina-lhes muitas coisas. Tal qual outrora, senão mais, as multidões são como ovelhas sem pastor e vivem na mais completa ignorância, como os prisioneiros no mito da caverna, tomam as sombras refletidas na parede por realidade: acham que a política partidária de um grotão do terceiro mundo é o a realidade da disputa pelo poder, que protestontismo de fundo de cohab expressa os mistérios da religião, que escolinha estatal e faculgado é educação, que o dono do mercadinho de cidade interiorana é a encarnação do grande capital, que o arranjo humano de divorciado recasado em tercveira união  acompanhada de com quatro bastardinhos de outras relações é família. Mesmo o catolicismo autêntico está encoberto por um véu de mentiras vaticanosegundistas bordado com bergogliotuchadas e cnnbbices. E no meio disso tudo está o larpão tentando emular os valores de algum arquétipo antigo em busca de sentido para vida. Multidões como ovelhas sem pastor, desorientadas, sem o mínimo discernimento para entender a estrutura do presente, quiçá a os mistérios da eternidade! Neste contexto é extremamente necessário imitar a oração de Salomão, pedindo a Deus por sabedoria, para que o Espírito Santo ilustre os corações, estar junto a Jesus e os sábios no templo, não o de Jerusalém mas aquele que está acima da montanha dos imortais e além do hiperurânio, na própria dimensão celestial o qual se pode subir através do santo rosário. Ou você ficar batendo cabeça uga buga mergulhado no oceano da ignorância e nas mentiras do noticiário cotidiano que reforçam as idiotices que aprendeu na escolinha socialista da selva terceiromundista. A decisão é tua...

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Pássaros


São Francisco de Sales, bispo e doutor da Igreja - Memória | Quarta-feira
Primeira Leitura (2Sm 7,4-17)
Responsório Sl 88(89),4-5.27-28.29-30 (R. 29a)
Evangelho (Mc 4,1-20)


1. A semente caiu a beira do caminho, vieram os pássaros e a comeram. Os pássaros são imagem do demônio, que impede os homens de conservar na memória a palavra de Deus. Embora possa atuar também de forma sutil, hoje os demônios do ar tem a sua disposição infinitas formas de distração para tirar a palavra da memória dos homens: os jornais e as futilidades da mídia enchem a cabeça do sujeito de porcaria, de forma que não há espaço para Deus. Há, ainda, o prurido das novas doutrinas (que nada mais são que as velhas heresias em nova embalagem)  que afeta o clero, de forma que deixam de lado o ofício de pregar e conservar as verdades de sempre em prol das mentiras da ocasião. A semente não chega a seu destinatário, não penetra o coração dos homens, mas é comida pelos pássaros...

2. A iconografia cristã costuma retratar o Divino Espírito Santo em forma de uma pomba branca; no Evangelho de hoje, os pássaros são imagens dos demônios, quando pensamos em pássaros como imagem do maligno geralmente nos vem a mente aves negras: corvos, gralhas e urubus. Todos  pássaros, mas há de se ter algum discernimento para separar a espécie de cada um. De igual modo, o homem precisa ter o discernimento dos espíritos, afim de separar aquelas sugestões que vem de Deus, daquelas que vem do Diabo. E o erro - consciente - em tão delicada operação é mortal, pois não haverá perdão para aquele que blasfemar contra o Espírito Santo, isto é negar suas santas inspirações e atribuí-las ao demônio ou, ao contrário, atribuir a Deus aquilo que tem origem infernal.