Deus Todo Poderoso, que nos criou à Vossa imagem e nos indicou o caminho do bem, do verdadeiro e do belo, especialmente na pessoa divina de Vosso Filho Unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, permiti-nos que, pela intercessão de Santo Isidoro, bispo e doutor, durante nossas navegações pela Internet, dirijamos nossas mãos e nossos olhos apenas àquelas coisas que Vos sejam aprazíveis e que tratemos com caridade e paciência todas aquelas almas que encontrarmos pelo caminho. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

domingo, 31 de março de 2024

Quebra de Monopólio


A única coisa que eu explícita e estrategicamente gostaria de impor é a fragmentação. - Nick Land

Por trás de meu entusiasmo ante o Oriente não há, pois, profundas razões históricas, sociológicas ou metafísicas, mas tão somente certo deleite estético e sobretudo um princípio básico da economia capitalista: a livre-concorrência. O Oriente se ergue como uma civilização alternativa ao Ocidente, um lugar com usos e costumes diversos, com um estilo próprio e influenciado por outros grupos de poder. De certo modo o mesmo se pode dizer da idealização que fazem os metropolitanos da vida interiorana, ou mesmo nossa nostalgia em relação ao passado, à outras eras e outras civilizações. Basicamente não se suporta mais vida nesta nova Sodoma, então, porque não recorrer a concorrência? Ainda que não haja uma migração de fato, o ter em vista outra perspectiva torna a vida mais leve e ajuda a preservar a sanidade. Imagine o quão angustiante seria viver sem alternativas, obrigado a suportar algo que lhe desagrade? Por isso eu considero a luta pela unidade uma das causas mais vis e perversas a qual alguém possa aderir e a fragmentação a mais nobre das batalhas. Sem entrar em devaneios metafísicos que possam soar heréticos, sem transformar princípios em fetiches - imperativos kantianos - que venham a bagunçar tudo, mas falando de realidade humana concreta: unidade significa monopólio.

O Estado e suas instituições (escola e universidades) não devem ter o monopólio da educação. O Ocidente não deve ter o monopólio dos valores civilizacionais. As bigtechs não devem ter o monopólio do domínio da técnica. Não deve haver monopólios e consenso universal nem mesmo na ciência. O único monopólio lícito é o da Igreja, esta de fato tem o monopólio da salvação, mas ainda assim ela abriga em seu seio uma variedade imensa de grupos, perspectivas e estilos de se professar e viver a fé. Voltando as realidades profanas: Hollywood não deve ter o monopólio do entretenimento, as mulheres ocidentais (sobretudo as feias e rodadas) não devem ter o monopólio sobre o destino dos homens ocidentais (o que não significa que eu esteja a defender coisas abomináveis como o pecado contra a natureza, mas sim o ir procurar sua esposinha no oriente ou viver o celibato). Enfim, você já entendeu o espírito, não? Quebrar monopólios e impulsionar alternativas, isso torna o mundo um lugar mais divertido, abre uma rota de fuga para escaparmos da escravidão moderna. Não deixemos que eles terminem Torre de Babel!

Ora toda terra tinha uma só língua e um mesmo modo de falar. Mas (os homens), tendo partido do oriente encontraram uma planície na terra de Sennar e habitaram nela. Disseram uns para os outros: vinde, façamos tijolos e cozamo-los no fogo. E serviram-se de tijolos em vez de pedras, e de betume em vez de argamassa. Disseram ainda: vinde façamos para nós uma cidade e uma torre, cujo cimo chegue até ao céu, e tornemos célebre o nosso nome, antes que nos espalhemos por toda terra, O Senhor, porém, desceu a ver a cidade e a torre, que os filhos dos homens edificavam, e disse: eis que são um só povo e têm todos a mesma língua; começaram a fazer esta obra, e não desistirão do seu intento, até que a tenham de todo executado. Vamos, pois, desçamos e confundamos de tal sorte a sua linguagem, que um não compreenda a palavra do outro. Assim o Senhor os dispersou daquele lugar por todos os países da terra, e cessaram de edificar a cidade. Por isso, lhe foi posto o nome de Babel, porque aí foi confundida a linguagem de toda a terra, e daí os espalhou o Senhor por todas as regiões. (Gn 11,1-9)

Cristandade Ancap

Após o chamado de Deus, Abraão deixou a cidade de Ur acompanhando por sua esposa, seus servos e seu sobrinho Lot, vagando pelos desertos até Canaã, a terra que o Senhor lhe prometeu. Essa é a imagem bíblica mais próxima que temos de algo como o ancapistão: um homem rico vagando pelo mundo com seus bens, não subordinado a Estado algum, o Patriarca que governa sua casa sujeito tão somente aos leis do Senhor seu Deus. Tais configurações se manteriam por duas gerações, nem Isaac nem Jacó estavam ligados a algo como uma pátria, um governo, um Estado Nação, mas eis que veio a fome sobre aquela terra e a casa de Israel imigrou para o Egito, donde ficaria sujeita ao governo dos faraós até Moisés. E daí para frente a história bíblica foi uma história estatal.

Samuel referiu todas as palavras do Senhor ao povo, que lhe tinha pedido um rei, e disse: Este será o direito do rei que vós há-de governar: Tomará os vossos filhos, pô-los-á nos seus carros, fará deles moços de cavalo, e correrão diante dos seus coches. Fará deles seus tribunos, seus centuriões, lavradores dos seus campos, segadores das suas messes e fabricantes das suas armas e carroças. Fará de vossas filhas suas perfumadeiras, cozinheiras e padeiras. Tomará também o melhor dos vossos campos, das vossas vinhas, dos vossos olivais, e dá-los-á aos seus servos. Também tomará o dízimo dos vossos trigos e das vossas vinhas, para ter que dar aos seus eunucos e servos. Então clamareis ao Senhor, por causa do rei, que vós mesmos elegestes, mas o Senhor não vos ouvirá naquele dia, porque vós mesmos pedistes um rei. (1Sm 8, 10-18)

Com a vinda de Cristo, eis algo novo! Ainda que Nosso Senhor seja rei, seu reino não é deste mundo. Rejeitada pela sinagoga e perseguida pelo império, a Igreja surge e se desenvolve a margem do Estado e das instituições oficiais. É um organismo não estatal multinacional, uma assembleia de pessoas que se unem e passam a contribuir coletivamente por livre espontânea vontade, sem qualquer coerção externa. Na verdade, até apesar da coerção externa: as cruéis torturas infligidas pelo tirania dos césares romanos não foram capazes de abalar a vontade inquebrantável dos mártires. A Igreja vence o Estado, até que acaba fundindo-se com ele. E essa fusão moldará sua identidade nos séculos que se seguiram. O poder temporal, as estruturas da máquina estatal, a força do Leviatã, os recursos, as armas, tudo isso foi posto à serviço do Reino de Deus. Mas esse tempo acabou, cortaram a cabeça dos reis e expulsaram a Igreja da vida pública, eis que é necessário reaprender a viver a margem do Estado.

Já são mais de 200 anos desde a Revolução Francesa, todavia a maior parte dos fiéis parece não ter aprendido a lidar com o assunto. Os progressistas (os quais nem considero eu católicos), procuram ceder na doutrina para ter parte na governança do mundo laico, os conservadores e tradicionalistas alimentam fantasias de restauração, e - flertam com tanta besteira... -  assim se afundam em lutas políticas cujos resultados são risíveis. Por que não abrir mão desse sonho de reconquistar o Estado e aprender viver a margem dele, minorar seu poder, numa espécie de Cristandade Ancap? Ainda que de fato o Estado Cristão seja um ideal, há que se fazer um bem bolado quando este ideal é hoje inalcançável, não?

Estou lendo recentemente um clássico cyberpunk chamado Snow Crash, fiquei maravilhado com universo descrito por Neal Stephenson:  as micronações que funcionam em esquema de condomínio, o metaverso, a dinâmica de uma economia hipercapitalista de plataforma, as armas (qual é o homem que não gosta de armas? Quem não tem espada, que venda sua túnica e compre uma! Aliás esse negócio de espada é algo meio vintage, porque não uma 38?), a forma como o indivíduo pode facilmente aparatar-se do destino das falhas escolhas coletivas e discernir seu próprio caminho. Tudo isso soa tão mais belo em um tempo onde a nação em que vivo se degradada tanto mais, a janela de liberdade é cada vez menor, e políticos bobocas alimentam devaneios comunistas cujo resultado não é outro senão a miséria. Haveria tantas oportunidades para Igreja em um futuro atlantista, aceleracionista, hipercapitalista, cyberpunk, além de que este cenário é bem mais factível que uma nova cristandade estatal...

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Depois de ler esse texto, na certa algum leitor estará tentado a enviar-me links de uns três ou quatro podcasts com duas horas de duração cada, argumentando sobre os erros do anarcocapitalismo e maldizer-me nas redes sociais. Convido-o a reler o texto com um pouco mais de senso de humor hihi, meu intento é menos pregar alguma ideologia ou modelo de sociedade, do que abrir a mente de meus irmãos de fé para pensar formas de ação para além da política e das instituições visíveis. 

segunda-feira, 11 de março de 2024

A farsa multiplicidade e o bug no moto-perpétuo

Se há algo que torna o capitalismo interessante é o múltiplo, a variedade de empresas, lojas, produtos e serviços que concorrem entre si ao modo da mitologia darwiniana afim de sobreviver, dando ao consumidor uma ampla margem de escolhas. Os marxistas falam do capitalismo como um monstro indestrutível, os liberais louvam sua forma, os primitivistas temem sua complexidade, é mais fácil imaginar o fim do mundo que o fim do capitalismo, eis pois a máquina de moto-pérpetuo, a lâmpada que nunca apaga, o sonho dos cientistas de tempos idos, quem dera assim fosse. Não quero apavorar ninguém, mas a coisa não está funcionando muito bem...

Sob a guia do Detetive Kun Kun, passemos a investigar o assunto. De algum modo toda a miríade de empresas que vemos por aí não são senão máscaras de grandes corporações internacionais, assim como toda a variedade de produtos disponíveis no supermercado são praticamente feitos dos mesmos ingredientes - milho e soja - ainda que criptografados segundo os arcanos da indústria alimentícia. Ok, talvez isso seja um pouco difícil de se averiguar, então usemos um pouco de empirismo: abra a app store no seu celular e ante uma miríade de produtos experimente a frustação ao notar que a maioria são absolutamente inúteis, talvez uma dezena traga funções realmente interessantes e todo o resto não é senão lixo colorido. Agora, saia um pouco do quarto, visite as lojas de sua cidade e seja tomado pelo tédio ao observar que vendem praticamente os mesmos produtos. Para onde foi todo aquele vigor e inventividade do mercado que nos foi prometido? Se desvaneceu como uma miragem no deserto.


Quem é, pois, o vilão que ameaça nossa economia? Quem é aquele que frustra o fantástico sonho do mercado onde poderemos obter desde bonecas amaldiçoadas a tapetes voadores? O Estado - dirão os libertários - ! Sim, esse velho tirano sufoca nossa liberdade e atrasa o desenvolvimento tecnológico, tornado o capitalismo refém de um arranjo institucional obsoleto, soltem o Leão! Em parte os rapazes estão certos, mas há algo que ignoram. Atentem à máquina - nos diz o pequeno Kun Kun - e notarão o combustível que alimenta o moto-perpétuo! De fato, há um líquido viscoso e colorido que lubrifica o equipamento e o mantém funcionando, o combustível do capitalismo, o substrato da multiplicidade. Que é isto? É a imaginação!!!

O mundo real não é outra coisa senão um reflexo distorcido do hiperurânio, o reino do ideal, o mundo das ideias de Platão! Nada está na realidade sem antes se manifestar na literatura, antes de algo ser realizado ele deve ser pensado, imaginado! O sonho capitalista depende que a névoa produzida pelos artistas inspire a ganância dos empreendedores. Se não há imaginação, não há criação, inovação, o motor do capitalismo é obsediado, o mundo é invadido pelo tédio dos oligopólios, a multiplicidade se torna uma mentira. Se quisermos salvar o capitalismo, precisamos de alguma forma reencontrar o caminho para o país das maravilhas!