Deus Todo Poderoso, que nos criou à Vossa imagem e nos indicou o caminho do bem, do verdadeiro e do belo, especialmente na pessoa divina de Vosso Filho Unigênito, Nosso Senhor Jesus Cristo, permiti-nos que, pela intercessão de Santo Isidoro, bispo e doutor, durante nossas navegações pela Internet, dirijamos nossas mãos e nossos olhos apenas àquelas coisas que Vos sejam aprazíveis e que tratemos com caridade e paciência todas aquelas almas que encontrarmos pelo caminho. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.

quinta-feira, 16 de março de 2023

Arqueofuturismo e a gangue da gravata borboleta

Mais de um século após o Manifesto Futurista, em que Tommaso Marinetti exortava o abandono de todas as antigas tradições, numa manifestação iconoclasta quase que histérica, mas sincera, do espirito da modernidade, certo conservadorismo, bem como algum tipo de tradicionalismo vem ganhando espaço no mundo das ideias devido ao fracasso do projeto moderno. Algumas vezes, porém, esta mentalidade tradicionalista se reveste de caracteres um tanto bizarros, desde a mitificação e folclorização do passado, bem como certo anacronismo vulgar. Se o leitor usa as redes sociais já deve ter se deparado com algumas destas figuras: da gangue da gravata borboleta, passando pelos entusiastas dos suspensórios, aos web amishs. Nesta forma vulgar, a tradição perde todo seu aspecto dinâmico, vivificante, transmutando-se numa nostalgia apática, em uma fantasia vulgar.

O passado não vai voltar, mas isto não significa que ele não possa vir a inspirar o futuro. Teriam os tradicionalistas e conservadores mais sucesso em seus intentos se, ao invés de chorar sobre as ruínas da antiga civilização lamentando-se do mundo degenerado, mitificando os tempos de outrora, empreendessem esforços para imaginar o mundo futuro, iluminado pelas tradições pretéritas.

Na ficção existe um subgênero narrativo denominado steampunk que se propõe a pensar o que seria do passado se neste o impacto do desenvolvimento tecnológico fosse tal como hoje. Aquilo do qual precisamos é mais ou menos o contrário: precisamos pensar o futuro sob a ótica do passado, uma espécie de regressismo progressista ou nos termos de Guillaume Faye, arqueofuturismo[1]. Exemplifiquemos: que tal imaginar os Estados Pontifícios e uma nova Idade Média hoje com celulares, internet e televisão? Uma nova cruzada com o uso de tanques de guerra e submetralhadoras? E o feudalismo em tempos de drones e maquinário agrícola de precisão? Como seria uma monarquia tradicional estabelecida em uma cidade cosmopolita tal qual São Paulo ou Nova York? De que modo as instituições do passado, caso fossem restauradas, vão interagir com as inovações,  aparatos tecnológicos e a psicologia do presente? E com aquilo que esperamos para o futuro?

Não nos ensina a história que antes de se transmutar em ação algo deve tornar-se possível e coerente através da ficção? Se tudo que os tradicionalistas têm a oferecer ao mundo é uma nostalgia ranheta, estão condenados a insignificância das fofocas de internet. Mas, se conseguirem com as luzes da tradição fazer-nos antever um futuro luminoso, talvez as pessoas passem a levá-los a sério.

Por mais degenerados que sejam os porcos revolucionários, ao menos uma coisa eles não perderam: a capacidade de sonhar; e nós?


[1] Faye é um pagão com a mente cheia de ideias perversas, entretanto, teve o mérito de cunhar o termo arqueofuturismo; todavia, o uso que faço deste é uma interpretação própria, pouco apegada a qualquer fidelidade para com o autor.

quarta-feira, 15 de março de 2023

TECHNO RACE

Não foi via decreto governamental ou ocupação de espaços - tampouco por conscientização - que uma parcela razoável da população se livrou da lavagem cerebral televisa. Foi devido a internet. O surgimento de uma alternativa técnica que proporcionava maior grau de liberdade aos criadores de conteúdo e aos consumidores fez do mundo um lugar melhor... ao menos para alguns: enquanto há aqueles que usam da internet para estudar filosofia e religião ou simplesmente para se divertir jogando e assistindo animes de garotas fofas, outros se afundam em pornografia e perdem tempo com fofocas, discussão e maledicência. Sinto muito pelos apenados, mas a escolha foi deles.

Todavia, já faz algum tempo desde os primórdios da internet e essa joça não é mais a mesma. Os governos estendem seus tentáculos tirânicos afim de controlar a anarquia digital, com o auxílio das bigtechs. As massas se agitam inutilmente no afã de encontrar alguma solução política, não só para isso mas para uma série de problemas que afligem esta civilização decrépita. Julgo eu coisa inútil. Melhoras que dependem de algum tipo de engajamento coletivo em instituições oficiais tem o infeliz costume de fracassar. Na esfera temporal, vejo eu uma única saída: a técnica. Tal qual ocorreu outrora, é preciso desenvolver alternativas tecnológicas que garantam algum grau de liberdade ao usuário, em velocidade tamanha que tão logo as elites iníquas que nos governam tenham adquirido o domínio da mesma técnica possamos já estar em outro barco. Sim, é um eterno jogo de gato e rato, mas é isso ou a absoluta rendição.

De fato, nem todos recebemos do céus um talento particular para a inovação disruptiva. Gênios são coisa rara. Mas podemos caminhar a sombra dos gigantes, ser pioneiros no uso e investigação das técnicas já hoje disponíveis. E há não pouca coisa.

Pergunto a ti caro leitor, o que lhe parece mais prudente? Sair a rua levantando cartolina implorando a políticos bobocas para preservem a sua liberdade ou tentar vencer a corrida tecnológica?

sábado, 4 de março de 2023

A cybercultura e a alienação do invólucro material [isto é: o corpo físico]

O céu é constante, a terra é duradoura 
O que permite a constância e a duração do céu e da terra 
É o não criar para si 
Por isso são constantes e duradouros 

 Assim 
O Homem Sagrado deixa seu corpo para trás e o Corpo avança 
Além do corpo, o Corpo permanece 
Através do não-corpo, conclui o Corpo

- Tao te Ching, Cap.7 .

Tornei-me um grande entusiasta da internet e da cybercultura e creio eu que se o mundo tiver algum futuro ainda tiver algum futuro antes do Anti-Cristo, esse futuro depende desta. Contudo, não posso deixar de notar as incongruências da mesma, como não raro se converte de benção em maldição. Ocorreu-me por devanear hoje acerca de um tema latente desde os primórdios da internet: a alienação do próprio corpo.

No romance cyberpunk Snow Crash, existe um personagem denominado Ng. Ng é um engenheiro militar responsável pela confecção de armas biológicas que garantem a segurança da franquia de cidades privadas da Grande Hong Kong do Sr. Lee. Ng teve o corpo completamente destruído durante a guerra do Vietnã, vive preso a uma picape (a versão futurista da cadeira de rodas) e subsiste com a ajuda de aparelhos, tendo uma aparência bem repugnante e uma vida complicada. Contudo, está conectado ao Metaverso de modo que na realidade virtual se apresenta com um corpo normal, tem as mais lindas cucubinas e dirige uma grande corporação. Não é maravilhoso como a tecnologia permitiu aquele homem - que em outro contexto teria uma existência miserável de dor e sofrimento - ter uma vida normal e dar sua contribuição a sociedade construindo cães mutantes para proteger a propriedade privada contra imigrantes e baderneiros!? 

Há uma santa portuguesa chamada Alexandrina de Balazar, afim de preservar sua inocência ante uma tentativa de estupro, ela saltou de uma grande altura. A queda ocasionou com que a mesma, tempos depois, nunca mais pudesse se movimentar, ficando trinta anos presa ao própria cama. Se a mesma tecnologia imaginada por Neal Stepehnson existisse naquela época, Alexandrina poderia ter tido uma vida menos dolorosa encontrado outras formas de viver sua vocação contemplativa como freira no Metaverso[1].

Mas se o continente nuvem oferece oportunidades para aqueles que não tem mais chance no mundo da matéria ela também fecha as portas para aqueles de cabeça fraca, fornecendo uma ilusão que os convence a desistir do mesmo mundo material. A primeira vista minha afirmação poderá parecer estranha, contudo todo esse chororô identitário de crossdressing[2], culto ao feio e combate a gordofobia não teria alcançado tamanha proporção sem os mesmos mecanismos de alienação corporal da cybercultura. Ainda que não exista o Metaverso como no livro (aquela coisa tosca criada pelo Zuckerberg é uma piada de mau gosto), a internet permite aos filhos de Adão criar uma persona virtual, manifestar uma personalidade sem qualquer correlação com seu corpo físico. Uma senhora gorda como um hipopótamo e a amarga como a vida pode selecionar algumas belas fotos de anônimas (ou nem isso, basta criar um avatar) e emular a personalidade de uma garotinha fofinha. Um sujeito fraco e covarde pode usar a máscara de um grande fisiculturista, dar conselhos de masculinidade e liderar cruzadas na Internet. E também, é possível que um homens manifestem personalidades femininas e garotas personalidades masculinas, de forma que essas personalidades crescem a ponto de deixar a criatura abuleleh das ideias e procurar mutilar o seu corpo para se adptar a essa mesma personalidade, ao invés daquilo que consideramos normal que é adaptar a própria personalidade ao corpo, ao seu sexo biológico.

Se em Snow Crash o mundo virutal fora uma oportunidade para aquele que não possui mais chances no mundo real, para outros o mundo virtual os está destruindo na realidade.

Nas escolinhas comunistas do Estado tupiniquim, aprendemos a finalizar a redação com exortações políticas, propor leis e engajamento social para fazer do mundo um lugar melhor. Alguns já devem estar com as mãozinhas coçando afim de pedir o fim do anonimato na web, a obrigação de postar corpos reais, ligar a câmera, ter um CPF digital e todo tipo de satanagem. Não darei coro a este tipo de bobagem. Lei alguma vai impedir a internet de desgraçar sua cabeça, você precisa ser forte e esperto para não cair nesse tipo de armadilha. Precisa encontrar o Caminho enquanto o mesmo ainda pode ser encontrado.

Alguns podem objetar que o mundo virtual não precisa ser o último recurso para quem não pode se adptar ao mundo material, que as pessoas tem o direito de escolher onde habitar. Que é arrogante de minha parte atrelar a expressão da personalidade a um corpo corruptível destinado a decomposição e que em última instância se tornará o banquete dos vermes. De fato, trata-se de uma posição dogmática de minha parte baseada em minha crença religiosa católica de que Deus criou o mundo e viu que era bom, de que os animais da terra, as ervas do campo e as aves do céu devem sem contempladas, que a sensação de correr e levar o corpo ao limite é sagrada, que a busca por imprimir no mesmo a perfeição estética através da musculação é algo abençoado. Se você não crê em nada disso, é livre para apostar no que quiser, para tentar fixar suas morada e construir sua existência nas nuvens cibernética. Mas se acaso és cristão como eu, essa é uma aposta errada.


[1] Alexandrina aceitou com resignação a vontade divina e soube oferecer seu sofrimento como sacrifício pela salvação das almas, sendo recompensada no mesmo leito com inúmeros fenômenos místicos. Contudo, creio que me é lícito entristecer-me por tamanhas dores e pensar em outras formas menos dolorosas pelas quais ela poderia ter realizado sua missão e expressado sua santidade. 
[2] Não quero usar o termo transgênero, então optei por um sinônimo usado na subcultura otaku para descrever esse tipo de fenômeno.