O céu é constante, a terra é duradouraO que permite a constância e a duração do céu e da terraÉ o não criar para siPor isso são constantes e duradourosAssimO Homem Sagrado deixa seu corpo para trás e o Corpo avançaAlém do corpo, o Corpo permaneceAtravés do não-corpo, conclui o Corpo- Tao te Ching, Cap.7 .
Tornei-me um grande entusiasta da internet e da cybercultura e creio eu que se o mundo tiver algum futuro ainda tiver algum futuro antes do Anti-Cristo, esse futuro depende desta. Contudo, não posso deixar de notar as incongruências da mesma, como não raro se converte de benção em maldição. Ocorreu-me por devanear hoje acerca de um tema latente desde os primórdios da internet: a alienação do próprio corpo.
No romance cyberpunk Snow Crash, existe um personagem denominado Ng. Ng é um engenheiro militar responsável pela confecção de armas biológicas que garantem a segurança da franquia de cidades privadas da Grande Hong Kong do Sr. Lee. Ng teve o corpo completamente destruído durante a guerra do Vietnã, vive preso a uma picape (a versão futurista da cadeira de rodas) e subsiste com a ajuda de aparelhos, tendo uma aparência bem repugnante e uma vida complicada. Contudo, está conectado ao Metaverso de modo que na realidade virtual se apresenta com um corpo normal, tem as mais lindas cucubinas e dirige uma grande corporação. Não é maravilhoso como a tecnologia permitiu aquele homem - que em outro contexto teria uma existência miserável de dor e sofrimento - ter uma vida normal e dar sua contribuição a sociedade construindo cães mutantes para proteger a propriedade privada contra imigrantes e baderneiros!?
Há uma santa portuguesa chamada Alexandrina de Balazar, afim de preservar sua inocência ante uma tentativa de estupro, ela saltou de uma grande altura. A queda ocasionou com que a mesma, tempos depois, nunca mais pudesse se movimentar, ficando trinta anos presa ao própria cama. Se a mesma tecnologia imaginada por Neal Stepehnson existisse naquela época, Alexandrina poderia ter tido uma vida menos dolorosa encontrado outras formas de viver sua vocação contemplativa como freira no Metaverso[1].
Se em Snow Crash o mundo virutal fora uma oportunidade para aquele que não possui mais chances no mundo real, para outros o mundo virtual os está destruindo na realidade.
Nas escolinhas comunistas do Estado tupiniquim, aprendemos a finalizar a redação com exortações políticas, propor leis e engajamento social para fazer do mundo um lugar melhor. Alguns já devem estar com as mãozinhas coçando afim de pedir o fim do anonimato na web, a obrigação de postar corpos reais, ligar a câmera, ter um CPF digital e todo tipo de satanagem. Não darei coro a este tipo de bobagem. Lei alguma vai impedir a internet de desgraçar sua cabeça, você precisa ser forte e esperto para não cair nesse tipo de armadilha. Precisa encontrar o Caminho enquanto o mesmo ainda pode ser encontrado.
Alguns podem objetar que o mundo virtual não precisa ser o último recurso para quem não pode se adptar ao mundo material, que as pessoas tem o direito de escolher onde habitar. Que é arrogante de minha parte atrelar a expressão da personalidade a um corpo corruptível destinado a decomposição e que em última instância se tornará o banquete dos vermes. De fato, trata-se de uma posição dogmática de minha parte baseada em minha crença religiosa católica de que Deus criou o mundo e viu que era bom, de que os animais da terra, as ervas do campo e as aves do céu devem sem contempladas, que a sensação de correr e levar o corpo ao limite é sagrada, que a busca por imprimir no mesmo a perfeição estética através da musculação é algo abençoado. Se você não crê em nada disso, é livre para apostar no que quiser, para tentar fixar suas morada e construir sua existência nas nuvens cibernética. Mas se acaso és cristão como eu, essa é uma aposta errada.
[1] Alexandrina aceitou com resignação a vontade divina e soube oferecer seu sofrimento como sacrifício pela salvação das almas, sendo recompensada no mesmo leito com inúmeros fenômenos místicos. Contudo, creio que me é lícito entristecer-me por tamanhas dores e pensar em outras formas menos dolorosas pelas quais ela poderia ter realizado sua missão e expressado sua santidade.
[2] Não quero usar o termo transgênero, então optei por um sinônimo usado na subcultura otaku para descrever esse tipo de fenômeno.


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